Ano de debates sobre Fé e Ciência

Escrito em 12/2008


O mundo inteiro celebrará 2009 como o Ano Internacional da Astronomia (AIA) porque há 400 anos Galileu Galilei apontava sua luneta para o céu e começava a desvendar os segredos do universo. Nós brasileiros, de certa forma, seremos os anfitriões da festa porque receberemos no Rio de Janeiro a XXVII Assembléia Geral da União Astronômica Internacional, o maior órgão representativo dos astrônomos de todo o mundo. É conhecida por todos a controversa história entre o cientista italiano e a Igreja Católica. Entretanto, geralmente se conhece mal esta história. Pelo grande enfoque na mídia do AIA, vale a pena entender melhor o que realmente aconteceu.
É imprudente, ou até de má-fé, quem analisa acontecimentos do passado sem contextualizá-los com os fatos da época, sem buscar perceber as coisas como então se fazia. Na época de Galileu não existia a ciência como a concebemos hoje, não havia o “método científico”. Basicamente existiam os filósofos naturais, que seriam algo como os cientistas de hoje, mas com instrumentos técnicos e teóricos muito mais rudimentares. Buscava-se a verdade natural através da especulação filosófica, não através da experimentação. Muitos historiadores da ciência colocam Galileu como uma quebra de paradigma no rumo da história porque ele foi um dos primeiros intelectuais que levou a sério a experiência para desvendar os mistérios do universo. E, de fato, o fez de maneira gloriosa. Muitas de suas conclusões são válidas ainda hoje, quatro séculos depois. Por isso, com toda razão, é considerado o pai da física.
O “Caso Galileu”, como é conhecido o julgamento do cientista pela inquisição romana, é cercado de mitos. Um deles é que Galileu teria sido queimado na fogueira. Isso é mentira, ele foi condenado à prisão domiciliar e morreu vivendo confortavelmente em luxuosos aposentos, cercado por seus discípulos. Ele era católico fervoroso e tinha grandes amigos na cúria romana, inclusive o papa. O processo contra Galileu durou décadas e transcorreu em vários episódios separados. O motivo alegado era sua defesa da teoria de que a Terra gira em torno Sol, e não o contrário como se pensava na época. Pode parecer ridícula uma condenação da Igreja por causa de um motivo científico, mas a verdade é que na época acreditava-se que a bíblia defendia que era o Sol que orbitava a Terra. Galileu não tinha muitos argumentos para defender sua teoria e terminou apelando para a flexibilização da interpretação literal da bíblia. Entretanto, fazer isso durante a contra-reforma era uma péssima idéia. Há cerca de um século a reforma protestante vinha desafiando a doutrina católica e qualquer ato suspeito em assuntos de fé era motivo para fortes medidas da Igreja. A posição de Galileu, seu estilo irônico e sarcástico de escrever suas obras, e sua infeliz tentativa de defender sua teoria com uma exegese modificada e não com argumentos científicos, acabaram rendendo-lhe uma condenação do Santo Ofício. Sua condenação foi, portanto, muito mais por causas religiosas devido a sua nova interpretação bíblica, do que por motivos científicos.
Apesar do Caso Galileu não ter sido uma questão de “martírio científico” como se coloca hoje, mas de certa forma uma condenação compreensível para a época, o papa João Paulo II reconheceu humildemente o erro dos filhos da Igreja. Reabilitou Galileu e pediu desculpas por vários outros equívocos históricos. Atualmente a Igreja Católica incentiva fortemente a ciência, desde que liberta da filosofia materialista, que a torna cientificismo, doutrina ateísta que vai contra a Verdade. Dentre os principais incentivos, podemos citar a Pontifícia Academia de Ciências, que reúne cientistas de todas as áreas do conhecimento e de todo o mundo. Também vale lembrar do Observatório do Vaticano, dirigido por padres jesuítas que têm formação em astrofísica e que, além da pesquisa de ponta na área, dedicam-se à divulgação da harmonia entre a fé e a ciência. Além disso, muitos religiosos têm formação científica nos mais diversos tópicos de investigação e estão envolvidos nos esforços contínuos da Igreja de incentivar o progresso científico e tecnológico com ética e respeito aos valores humanos.
O ano de 2009 será um ano de muita divulgação científica na mídia. Por causa da celebração do AIA, a Igreja inaugurará uma estátua em tamanho real de Galileu nos jardins do Vaticano. Se nós católicos não estivermos prontos para defender a perfeita complementariedade entre a fé a e razão, 2009 deixará de ser um ano de festiva celebração da ciência para se tornar um ano de ataques à nossa fé pelo dito mundo “racional”.

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