A evolução na Física e na Astrofísica (parte IV)

Foi nas ciências exatas que a ideia de evolução encontrou mais terreno fora das ciências biológicas. No quarto artigo da série evolução, vou mostrar algumas das aplicações mais interessantes do conceito dentro da Física e a Astrofísica.
Muito antes da teoria darwiniana os físicos já pensavam na questão da evolução. Naturalmente não estavam preocupados com o que se passa com os seres vivos, mas nos movimentos e transformações da natureza. A partir de 1850 o físico alemão Rudolf Clausius desenvolveu e aplicou o conceito de evolução na Física, que os físicos chamam por outro nome: entropia. Clausius foi buscar a palavra entropia no grego: significa transformação.
Imagine que você veja só uma cena de um filme: um carro andando para trás. Com base só nessa pequena cena você não pode dizer se o carro está dando marcha à ré ou se a cena está sendo passada ao contrário. Por outro lado, se a cena for de um carro destruído contra um muro voltando a se tornar inteiro e perfeito antes da colisão, você saberá que a cena está sendo passada ao contrário.
Sua intuição, ou bom senso se preferir, conhece algo que os físicos demoraram para conseguir definir corretamente mas já percebiam há tempo: que alguns fenônemos na natureza são reversíveis e outros são irreversíveis. Costuma-se dizer que há uma “seta do tempo”, que indica o sentido do passado para o futuro.
A entropia é uma medida física que especifica quais fenômenos são irreversíveis e como isso acontece. A maneira mais comum de explicá-la é através do conceito de desordem de um sistema físico, ou também complexidade. Um carro todo destruído é muito mais desordenado, ou complexo para se compor a posição da infinitude de partes quebradas, do que um carro inteiro, todo ordenado conforme o projeto inicial.
Na natureza, a entropia é mais que evidente! Não vemos, como no belo filme “O curioso caso de Benjamin Button”, os seres ressuscitarem, rejuvenescerem e depois voltarem ao estado embrionário para então desaparecerem. A lei mais inexorável da natureza é a ordem: nascimento, crescimento e morte. Os físicos entendem essa sentença como a entropia, que eu chamo de “teoria da evolução dos físicos”.
Na Astrofísica acontece algo ainda mais belo: as estrelas evoluem, e levam todo o universo a evoluir com elas. Talvez você não saiba, mas toda estrela nasce, cresce, torna-se adulta e depois morre. Nenhuma escapa disso. E, na morte, pode ainda “fecundar” o espaço e fazer nascerem outras milhares de estrelas, planetas e seres vivos.
No começo do universo praticamente só havia dois elementos: hidrogênio e hélio. As primeiras estrelas forjaram os outros elementos no seu interior ou na explosão final da morte de muitas delas: ferro, carbono, oxigêncio, nitrogênio, etc.
Sem esses elementos, não é possível formar água e terra. Ou seja, nada de planeta Terra e seres vivos. Tanto o Sol quanto o Sistema Solar só puderam existir depois que as primeiras estrelas morreram e espalharam os elementos químicos pelo espaço. Por isso é comum ouvir os astrofísicos dizerem que somos poeira das estrelas. Naturalmente, chamo o estudo da vida das estrelas de “teoria da evolução dos Astrofísicos”.
Quase todos já ouviram falar da teoria do Big Bang, segundo a qual o universo surgiu de uma explosão inicial e desde então está em expansão, sempre crescendo. Na verdade, não é só uma questão de expansão, mas de transformação. Vão se formando estruturas de estrelas, galáxias, aglomerados e super-aglomerados de galáxias ao longo do tempo. Toda esta transformação – leia-se evolução – acontece sob determinadas regras cósmicas que hoje denominamos Cosmologia.
Erra muito quem diz que o Big Bang é uma teoria do surgimento do universo. Na verdade ele é uma teoria da evolução do universo. A questão do surgimento é só um detalhe na teoria. Assim, costumo chamar o Big Bang de “teoria da evolução dos cosmólogos”.
Por fim, é muito bonito ver como todas estas teorias da Física, Astrofísica e Cosmologia (que bem pode ser vista como a união da Física com a Astrofísica) nos mostram que todo o universo, desde as escalas mais microscópicas às imensidões do cosmo, caminha sob leis de transformação e evolução bem definidas.
A ideia teológica e filosófica de finalidade, ou propósito, encontra terreno fértil na Física. Ao estudarmos as leis do universo, não é possível descartar facilmente o sentimento de que o universo foi criado para um fim específico, que tudo aqui está maravilhosamente planejado e orientado. Toda a natureza é incrível e nos remete sempre a ideias ainda mais incríveis.
Santo Agostinho disse isso ainda melhor: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são.” (Santo Agostinho, Confissões, livro 11).

04/2015

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2 comentários:

  1. Olá professor Zabot;

    Parabéns pelo seu trabalho. Sou professor de Física. Quando fiz o curso de licenciatura, na disciplina de História da Ciência, o professor criticava a Igreja em todas as aulas. Alguns anos mais tarde, comecei a descobrir o quanto aquele professor estava enganado, pois a Igreja contribuiu com a Ciência muito mais do que a maioria das nações do mundo. Agora, estou fazendo Mestrado, e para minha surpresa, os professores nunca ouviram falar a respeito dos padres cientistas. Estou escrevendo um blog sobre o assunto, o objetivo é divulgar a participação dos clérigos na História da Ciência. Ficaria muito honrado com sua visita, segue o link: http://www.hisciencia.blogspot.com.br/

    Acredito que ja tenha visto a página no facebook, segue o link:
    https://www.facebook.com/pages/Hist%C3%B3ria-da-Ci%C3%AAncia/220847061457819

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    1. Obrigado Renato! Conheço o blog sim, gostei muito dos posts, já li alguns e estou acompanhando. De fato, é impossível contar a História da Ciência sem falar da Igreja. Infelizmente, a maioria das pessoas só conhecem os casos de Galileu e Bruno, e mesmo assim, muito superficialmente. O legado jesuíta é completamente desconhecido. Parabéns pelo trabalho.

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