Publicado em First Things (outubro de 2007)
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Durante
a segunda metade do século dezenove, ficou comum falar de uma guerra
entre ciência e religião. Mas no curso do século vinte, aquela
hostilidade gradualmente diminuiu. Seguindo as pegadas do Segundo
Concílio Vaticano, João Paulo II no começo de seu pontificado
estabeleceu uma comissão para revisar e corrigir a condenação de
Galileu no seu julgamento de 1633. Em 1983 ele organizou uma
conferência celebrando o 350°
aniversário da publicação de “Diálogo relativo a duas novas
ciências”, no qual ele comentou que a experiência do caso Galileu
levou a Igreja “para uma atitude mais madura e uma compreensão
mais exata da autoridade própria dela”, permitindo-a distinguir
melhor entre “elementos essenciais à fé” e “sistemas
científicos de uma época”.
De
21 a 26 de setembro de 1987, o papa patrocinou uma semana de estudos
sobre ciência e religião em Castelgandolfo. Em 1°
de junho de 1988, refletindo sobre os resultados desta conferência,
ele enviou uma carta positiva e encorajadora ao diretor do
Observatório do Vaticano, guiando um meio termo entre a separação
e a fusão das disciplinas. Ele recomendou um programa de diálogo e
interação, no qual ciência e religião procurariam nem suplantar e
nem ignorar uma à outra. Elas deveriam procurar juntas por uma
compreensão mais profunda das competências e limitações de cada
uma, e deveriam olhar especialmente para os aspectos em comum. A
ciência não deveria tentar tornar-se religião, nem a religião
procurar tomar o lugar da ciência. A ciência pode purificar a
religião do erro e da superstição, enquanto a religião purifica a
ciência da idolatria e de falsos absolutos. Cada disciplina deve,
portanto, manter sua integridade e estar aberta aos vislumbres e
descobertas da outra.
Em
uma mensagem amplamente noticiada sobre evolução para a Pontifícia
Academia de Ciências, enviada em 22 de outubro de 1996, João Paulo
II observou que, ao passo que há várias teorias da evolução, o
fato da evolução do corpo humano a partir de formas inferiores de
vida é “mais que uma hipótese”. Mas a vida humana, ele
insistiu, era separada de tudo que é menos do que humano por uma
“diferença ontológica”. A alma espiritual, disse o papa, não
emerge simplesmente de forças da matéria vivente nem é um mero
epifenômeno da matéria. A fé nos permite afirmar que a alma humana
é imediatamente criada por Deus.
Em
alguns círculos o papa foi interpretado como tendo aceitado a visão
neo-darwinista de que a evolução é suficientemente explicada por
mutações randômicas e seleção natural (ou “sobrevivência do
mais apto”) sem nenhum tipo de propósito governante ou finalidade.
Procurando compensar esta interpretação errada, Christoph Cardeal
Schönborn, o arcebispo de Viena, publicou em 7 de julho de 2005 um
op-ed no New York
Times, no qual ele citou uma
série de pronunciamentos de João Paulo II no sentido contrário.
Por exemplo, o papa declarou em uma Audiência Geral de 19 de julho
de 1985: “A evolução dos seres humanos, da qual a ciência
procura determinar os estágios e discernir os mecanismos, apresenta
uma finalidade interna que desperta
admiração. Esta finalidade que dirige os seres em uma direção
para a qual eles não são responsáveis, obriga a supor uma Mente
que é sua inventora, sua criadora”. Nesta conexão, o papa disse
que atribuir a evolução humana à chance absoluta seria uma
abdicação da inteligência humana.
O
cardeal Schönborn também citou o papa Bento XVI, que afirmou na sua
missa inaugural como papa em 24 de abril de 2005: “Nós não somos
um produto casual e sem sentido da evolução. Cada um de nós e o
resultado de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada
um de nós é amado, cada um de nós é necessário”.
O
artigo do cardeal Schönborn foi interpretado por muitos leitores
como uma rejeição da evolução. Algumas cartas ao editor
acusaram-no de favorecer uma forma retrógrada de criacionismo e de
contradizer João Paulo II. Eles pareceram incapazes de compreender o
fato de que ele estava falando a linguagem da filosofia clássica e
não estava optando por qualquer posição científica. Sua crítica
era dirigida aos neo-darwinistas que se pronunciam em questões
filosóficas e teológicas através dos métodos da ciência natural.
Muitas
autoridade nestas questões, como Kenneth R. Miller e Stephen M.
Barr, nas suas respostas a Schönborn, insistiram que se pode ser um
neo-darwinista na ciência e um fiel cristão ortodoxo. Distinguindo
diferentes níveis de conhecimento, eles alegaram que o que é
randômico do ponto de vista científico, está incluído no plano
eterno de Deus. Deus, por assim dizer, joga os dados mas é capaz,
por seu conhecimento total, de prever o resultado por toda a
eternidade.
Esta
combinação de darwinismo na ciência e teísmo na teologia pode ser
sustentada, mas não é a posição que Schönborn tentou atacar.
Como ele deixou claro em um artigo subsequente em First Things
(janeiro de 2006), ele estava fazendo objeções somente àqueles
neo-darwinistas – e eles são muitos – que mantém que nenhuma
investigação válida da natureza poderia ser conduzida exceto no
redutivo modo do mecanismo, que procura explicar tudo em termos de
quantidade, matéria e movimento, excluindo diferenças específicas
e propósito na natureza. Ele citou um destes neo-darwinistas como
declarando: “A ciência moderna implica diretamente em que o mundo
é organizado estritamente de acordo com princípios determinísticos
ou acaso. Não há quaisquer princípios de propósito na natureza.
Não há deuses e nenhuma força modeladora racionalmente
detectáveis”.
O
cardeal Schönborn observa astutamente que os cientistas positivistas
começam excluindo metodologicamente causas finais e formais. Tendo
então descrito os processos naturais em termos meramente de
causalidade eficiente e material, eles se viram e rejeitam qualquer
outro mecanismo de explicação. Eles simplesmente proíbem as
questões sobre por que alguma coisa (incluindo vida humana) existe,
como nós diferimos em natureza dos animais irracionais, e como nós
devemos conduzir nossas vidas.
Nos
últimos anos houve uma explosão de literatura ateísta que proclama
a autoridade da ciência, e especialmente teorias darwinistas da
evolução, em demostrar que é irracional acreditar em Deus. Os
títulos de alguns destes livros são reveladores: O fim da fé
de Sam Harris1,
Quebrando o encanto: a religião como fenômeno natural
de Daniel Dennett2,
Deus, um delírio de
Richard Dawkins3
e Deus: a hipótese fracassada
de Victor J. Stenger4.
Os novos ateístas estão escrevendo com o entusiasmo de evangelistas
propagando o evangelho do ateísmo e da irreligião.
Estes
escritores geralmente concordam em sustentar que evidência,
entendida no senso científico, é a única base válida para crença.
A ciência realiza observações objetivas por olho e por
instrumentos; constrói modelos ou hipóteses para levar em conta o
fenômeno observado. Ela então testa as hipóteses deduzindo
consequências e vendo se elas podem ser verificadas ou falsificadas
pelo experimento. Todos os fenômenos mundanos são presumidamente
explicáveis referindo-se à corpos e forças contidos neste mundo. A
menos que Deus fosse uma hipótese verificável testada pelo método
científico, eles sustentam, não haveria base para crença
religiosa.
Richard
Dawkins, um porta-voz líder desta nova anti religião, pode ser
tomado como um representante da classe. As provas da existência de
Deus, ele crê, são todas inválidas, dentre outros defeitos elas
deixam sem resposta a questão “Quem fez Deus?” “Fé”, ele
escreve, “é o grande pretexto, a grande desculpa para evadir-se da
necessidade de pensar e avaliar evidência. ... Fé, sendo crença
que não é baseada em evidência, é o principal vício em qualquer
religião.” Levado pela sua própria ideologia, ele fala da
“frivolidade da mente religiosamente doutrinada.” Ele ostenta
que, na busca para explicar a natureza da vida humana e do universo
no qual nos encontramos, a religião “está agora completamente
superada pela ciência.”
A
compreensão de Dawkins de fé religiosa como um compromisso
irracional soa ao católico como estranha. O Primeiro Concílio
Vaticano condenou o fideísmo, a doutrina de que a fé é irracional.
Ele insistiu que fé está e deve estar em harmonia com a razão.
João Paulo II desenvolveu a mesma idéia na sua encíclica sobre Fé
e Razão, e Bento XVI no seu
discurso em Regensburg em 12 de setembro de 2006, insistiu na
necessária harmonia entre fé e razão. Naquele contexto, ele apelou
por uma retomada da razão em todo seu sentido, compensando a
tendência da ciência moderna de limitar a razão ao verificável
empiricamente.
Católicos
que são especialistas em ciências biológicas têm várias posições
diferentes sobre evolução. Como eu indiquei, um grupo, enquanto
explicando evolução em termos de mutações randômicas e
sobrevivência do mais apto, aceita a posição darwinista como
precisa no nível científico mas rejeita o darwinismo como um
sistema filosófico. Este primeiro grupo sustenta que Deus, prevendo
eternamente todos os produtos da evolução, usa o processo natural
da evolução para realizar Seu plano criativo. Seguindo Fred Hoyle,
alguns membros deste grupo falam do “princípio antrópico,”
entendendo que o universo foi “ajustado” desde o primeiro momento
da criação para permitir o surgimento da vida humana.
Um
exemplo recente deste ponto de vista pode ser encontrado no livro de
2006 de Francis S. Collins: A linguagem de Deus5.
Collins, um mundialmente renomado especialista em genética e
microbiologia, foi criado sem qualquer crença religiosa e se tornou
um cristão depois de terminar seus estudos em química, biologia e
medicina. Seu conhecimento profissional nestes campos convenceu ele
de que a beleza e a simetria dos genes e genomas humanos testemunham
fortemente em favor de um Criador sábio e amoroso. Mas Deus, ele
crê, não precisa intervir no processo da evolução corporal.
Collins defende uma teoria de evolução teística que ele designa
como posição BioLogos.
Apesar
de Collins não ser católico, ele se refere com aprovação às
visões de João Paulo II sobre evolução na mensagem de 1996 à
Pontifícia Academia de Ciências. Ele baseia-se nos trabalhos do
sacerdote anglicano Arthur Peacock, que escreveu o livro intitulado
Evolução: A amiga disfarçada da fé6.
Ele cita com satisfação as palavras do presidente Bill Clinton, que
declarou em uma celebração do Projeto Genoma Humano na Casa Branca
em junho de 2000: “Hoje nós estamos aprendendo a linguagem com a
qual Deus criou a vida. Estamos tendo ainda mais reverência pela
complexidade, pela beleza e maravilha do mais divino e sagrado dom de
Deus.”
Evolucionismo
teísta, como o darwinismo clássico, se abstém de afirmar qualquer
intervenção divina no processo de evolução. Ele admite que o
surgimento dos corpos vivos, incluindo o humano, pode ser explicado
no nível empírico através de mutações randômicas e
sobrevivência do mais apto.
Mas
o evolucionismo teísta rejeita as conclusões ateístas de Dawkins e
seus coortes. As ciências físicas, eles defendem, não são a única
fonte aceitável da verdade e da certeza. A ciência tem uma
competência real, porém limitada. Ela pode nos dizer muito sobre os
processos que podem ser observados ou controlados através dos
sentidos ou por instrumentos, mas não tem meios de responder
questões profundas envolvendo a realidade como um todo. Longe de ser
capaz de substituir a religião, ela não pode começar a dizer-nos o
que trouxe o mundo à existência, nem porque o mundo existe, nem
qual é o nosso destino final, nem como nós devemos agir para sermos
o tipo de pessoas que devemos ser.
Visto
como um sistema científico, o darwinismo tem algumas características
atraentes. Sua grande vantagem é a simplicidade. Ignorando
diferenças específicas entre os diferentes tipos de seres e o
propósito pelo qual agem, o darwinismo deste tipo reduz todo o
processo da evolução para matéria e movimento. Neste nível
próprio produz explicações plausíveis que parecem satisfazer
muitos cientistas experimentais.
Apesar
dessas vantagens, o darwinismo não triunfou completamente, nem mesmo
no campo científico. Uma importante escola de cientistas defende uma
teoria conhecida como Design Inteligente. Michael Behe, professor na
Universidade de Lehigh, defende que certos órgãos dos seres vivos
são “irredutivelmente complexos”. Sua formação não pode
acontecer por pequenas mutações randômicas porque alguma coisa que
tivesse somente algumas, mas não todas as características do novo
orgão não teria razão para existir e nenhuma vantagem para
sobrevivência. Não faria sentido algum, por exemplo, para a pupila
do olho evoluir se não houvesse retina para acompanhá-la, e também
não faria sentido haver uma retina sem pupila. Como exemplo de um
orgão complexo no qual todas suas partes são interdependentes, Behe
propõe o flagelo bacterial, uma ferramenta natatória maravilhosa
usada por algumas bactérias.
Neste
ponto entramos em uma disputa técnica entre microbiologistas a qual
não tentarei julgar. Em favor de Behe e sua escola, podemos dizer
que a possibilidade de grandes mudanças súbitas feitas por uma
inteligência maior não podem ser previamente descartada. Mas
podemos tomar isso como um sonoro princípio de que Deus não
intervém na ordem criada sem necessidade. Se a produção de órgãos
como o flagelo bacteriano pode ser explicada por acumulação gradual
de pequenas variações randômicas, a explicação darwinista deve
ser preferida. Por uma questão de política, é imprudente basear a
fé de alguém no que a ciência ainda não explicou, porque amanhã
ela pode ser capaz de explicar o que não consegue hoje. A história
nos ensina que “Deus tapa buracos” geralmente se mostra como uma
ilusão.
O
darwinismo é criticado, ainda, por um terceira escola de críticos,
que inclui filósofos como Michael Polanyi, que se baseia no trabalho
de Henri Bergson e Theilhard de Chardin. Filósofos desta orientação,
não obstante suas mútuas diferenças, concordam que organismos
biológicos não podem ser entendidos somente pelas leis da mecânica.
As leis da biologia, sem de modo algum contradizerem aquelas da
física e da química, são mais complexas. O comportamento dos
organismos vivos não pode ser explicado sem levar em conta seu
esforço por vida e crescimento. Plantas, por estenderem-se até a
luz solar e alimentação, deixam escapar uma aspiração intrínseca
para a vida e o crescimento. Esta finalidade interna as torna capazes
de sucessos e falhas de maneiras que pedras e minerais não são. Por
causa da lacuna ontológica que separa o vivente do não-vivente, o
surgimento da vida não pode ser explicado com base em princípios
mecânicos puros.
Em
sintonia com esta escola de pensamento, o físico matemático inglês
John Polkinghorne defende que o darwinismo é incapaz de explicar
porque plantas e animais multicelulares surgem enquanto organismos
celulares parecem lidar com mais sucesso ao ambiente. Deve haver, no
universo, um impulso para formas mais complexas. O professor de
Georgetown John F. Haught, em uma defesa recente do mesmo ponto de
vista, observa que as ciências sociais obtém resultados exatos
restringindo-se aos fenômenos mensuráveis, ignorando questões mais
profundas sobre significado e propósito. Por este método, ela
filtra a subjetividade, sentimento e esforço, tudo que é essencial
para uma teoria completa da cognição. O darwinismo materialista é
incapaz de explicar porque o universo dá origem à subjetividade,
sentimento e esforço.
O
filósofo tomista Etienne Gilson sustentou vigorosamente em seu livro
de 1971 De Aristóteles até Darwin e de volta novamente7
que Francis Bacon e outros perpetraram um erro filosófico quando
eliminaram duas das quatro leis de Aristóteles do domínio da
ciência. Eles procuraram explicar tudo em termos mecânicos,
referindo-se somente a causas materiais e eficientes, descartando
causalidade formal e final.
Sem
a forma, ou a causa formal, seria impossível explicar a unidade e a
identidade específica de qualquer substância. Na composição
humana a forma é a alma espiritual, que faz o organismo uma única
entidade e o dá seu caráter humano. Uma vez que a forma seja
perdida, os elementos materiais se decompõem e o corpo cessa de ser
humano. Seria fútil, portanto, tentar definir seres humanos só em
termos de seus componentes corporais.
Causalidade
final é particularmente importante no domínio dos organismos vivos.
Os órgãos do corpo animal ou humano não são inteligíveis exceto
em termos de seu propósito ou finalidade. O cérebro não é
inteligível sem referência à faculdade do pensamento que é seu
propósito, nem são os olhos inteligíveis sem referência à função
de ver.
Estas
três escolas de pensamento são todas sustentáveis em uma filosofia
cristã da natureza. Apesar de eu tender à terceira, reconheço que
alguns especialistas bem qualificados professam o darwinismo teístico
e o design inteligente. Todas as três destas perspectivas cristãs
sobre evolução afirmam que Deus tem um papel essencial no processo,
mas concebem o papel de Deus de maneiras diferentes. De acordo com o
darwinismo teísta, Deus inicia o processo produzindo desde o
primeiro instante da criação (o Big Bang) a matéria e energias que
vão gradualmente desenvolver-se em vegetais, animais e eventualmente
vida humana na Terra e talvez em mais lugares. De acordo com o design
inteligente o desenvolvimento não ocorre sem intervenção divina em
alguns estágios, produzindo órgãos irredutivelmente complexos. De
acordo com a visão teleológica, o impulso da evolução e seu
avanço em graus maiores de ser dependem da presença dinâmica de
Deus na sua criação. Muitos adeptos desta escola diriam que a
transição da existência físico-química para vida biológica, e
as demais transições para vida animal e humana, requer uma dose
adicional da energia criativa divina.
A
maioria da comunidade científica parece ser ferozmente oposta à
qualquer teoria que poderia trazer Deus ativamente para dentro do
processo da evolução, como a segunda e a terceira teoria trazem.
Cristãos darwinistas correm o risco de conceder demais aos seus
colegas ateus. Eles podem estar excessivamente inclinados em garantir
que todo o processo de surgimento aconteça sem envolvimento de
qualquer entidade superior. Teólogos devem perguntar se é aceitável
banir Deus de Sua criação desta maneira.
Muitos
séculos atrás, um grupo de filósofos conhecido como Deístas
defenderam uma teoria de que Deus teria criado o universo e cessado
naquele ponto de ter qualquer influência. Muitos cristãos
discordaram firmemente, defendendo que Deus continua a agir na
história. No decorrer dos séculos, ele deu revelações aos seus
profetas; realizou milagres; enviou seu próprio Filho para se tornar
homem; ressuscitou Jesus da morte. Se Deus é tão ativo na ordem
sobrenatural, produzindo efeitos que são publicamente observáveis,
é difícil descartar, em princípio, todas intervenções no
processo da evolução. Por que Deus deveria ser capaz de criar o
mundo a partir do nada mas incapaz de agir dentro do mundo que ele
fez? A tendência hoje é dizer que a criação não estava completa
na origem do universo mas continua à medida que o universo se
desenvolve em complexidade.
Phillip
E. Johnson, um líder no movimento de Design Inteligente, acusou os
cristãos darwinistas de cair em um deísmo atualizado, exilando Deus
“para a área sombria anterior ao Big Big” onde ele “não deve
fazer nada que possa causar problemas entre teístas e naturalistas
científicos”.
A
Igreja Católica tem mantido consistentemente que a alma humana não
é produto de qualquer causa biológica mas é imediatamente criada
por Deus. Esta doutrina levanta a questão de que se Deus não está
necessariamente envolvido na criação do corpo humano, uma vez que o
corpo humano vem a ser quando a alma é infundida. O advento da alma
humana torna o corpo relacionado com ela e portanto humano. Apesar de
poder ser difícil para o cientista detectar o ponto no qual o corpo
em evolução passa de antropóide para humano, seria absurdo para um
animal bruto – digamos, um chimpanzé – possuir um corpo
perfeitamente idêntico ao humano.
Cientistas
ateus geralmente escrevem como se a única maneira válida de
raciocinar fosse a atual na ciência moderna: fazer observações e
medidas precisas dos fenômenos, construir hipóteses para explicar
as evidências, e confirmar ou negar as hipóteses pelos
experimentos. Acredito ser difícil imaginar alguém vindo a
acreditar em Deus por este caminho.
É
verdade, claro, que a beleza e a ordem da natureza têm
frequentemente motivado pessoas a acreditar em Deus como criador. O
poder eterno e a majestade de Deus, diz São Paulo, é manifestada
para todos a partir das coisas criadas por Deus. Ao povo de Listra,
Paulo proclamou que Deus nunca se deixou sem testemunha, “por seus
benefícios: dando-vos do céu as chuvas e os tempos férteis,
concedendo abundante alimento e enchendo os vossos corações de
alegria.”8
Filósofos cristãos elaboraram provas rigorosas baseados nestas
revelações espontâneas. Mas estas provas dedutivas não se baseiam
no moderno método científico.
Pode
ser de interesse que o cientista Francis Collins chegou a acreditar
em Deus não tanto a partir de contemplar a beleza e a ordem da
criação – muito embora seja impressionante – mas como resultado
da experiência moral e religiosa. Sua leitura de C.S. Lewis o
convenceu de que há uma lei moral maior à qual estamos
incondicionalmente sujeitos e de que a única fonte possível da lei
é um Deus pessoal. Lewis também o ensinou a confiar no instinto
natural através do qual o coração humano alcança inelutavelmente
o infinito e o divino. Qualquer outro apetite natural – como
aqueles por comida, sexo e conhecimento – tem um objeto real. Por
que, então, deveria a ânsia por Deus ser uma exceção?
Crer
em Deus é natural, e a crença pode ser confirmada por provas
filosóficas. Entretanto, os cristãos geralmente acreditam em Deus,
suspeito, não por causa destas provas mas porque eles reverenciam a
pessoa de Jesus, que nos ensina sobre Deus por suas palavras e ações.
Não seria possível ser um seguidor de Jesus e ser um ateu.
Cientistas
como Dawkins, Harris e Stenger parecem saber pouquíssimo da
experiência espiritual dos crentes. Como Terry Eagleton escreveu na
sua resenha do livro de Dawkins “Deus, um delírio”,
“Imagine alguém discursando sobre biologia mas cujo único
conhecimento seja o Livro das Aves Inglesas,
e você terá uma vaga idéia do que se sente ao ler Richard Dawkins
escrevendo sobre Teologia ... Se racionalistas de carteirinha como
Dawkins [fossem consultados] para fazer um julgamento sobre a
geopolítica da África do Sul, sem dúvida eles iriam estudar o
assunto até o último minuto, tão assiduamente quanto pudessem.
Quando se trata de Teologia, porém, qualquer caricatura mal feita é
aceitável.”
Alguns
ateus cientificistas contemporâneos estão tão envolvidos na
metodologia de suas áreas que eles imaginam que ela deva ser o único
método para resolver qualquer problema. Mas outros métodos são
necessários para lidar corretamente com questões de outra ordem.
Ciência e tecnologia (a primavera da ciência) são totalmente
inadequadas no campo da moralidade. Enquanto a ciência e a
tecnologia aumentam vastamente o poder humano, o poder é
ambivalente. Ele pode fazer bem ou mal; a mesma invenção pode ser
construtiva ou destrutiva.
A
tendência da ciência, quando vence, é realizar qualquer coisa que
esteja dentro de sua capacidade, sem respeito a vínculos morais.
Como temos experimentado em gerações recentes, tecnologia sem
controle por padrões morais tem causado horrores incontáveis no
mundo. Distinguir entre o uso certo e errado do poder, e motivar os
seres humanos a fazer o que é certo até mesmo quando não se
encaixa em sua conveniência, requer recorrer à normas morais e
religiosas. Os apelos da consciência deixam claro que estamos
inescapavelmente sob uma lei maior que requer de nós comportarmo-nos
de certos modos e que julga nossa culpa se a desobedecermos. Nos
dirigiríamos em vão aos cientistas para nos informarmos sobre leis
maiores.
Alguns
evolucionistas defendem que moralidade e religião surgem, evoluem, e
persistem de acordo com princípios darwinistas. Religião, eles
dizem, tem um valor de sobrevivência para indivíduos e comunidades.
Mas este alegado valor de sobrevivência, mesmo que seja real, não
nos diz nada sobre a veracidade ou falsidade de qualquer sistema
moral ou religioso. Já que questões desta ordem maior não podem
ser respondidas pela ciência, filosofia e teologia ainda têm um
papel essencial para executar.
Justin
Barrett, um psicólogo evolucionário, agora em Oxford, também é um
cristão praticante. Ele crê que um Deus onisciente, onipotente, e
perfeitamente bom fez os seres humanos para estar em uma relação de
amor com Ele com os outros. “Por que não iria Deus,” ele
pergunta, “nos planejar de um modo a achar a crença na divindade
quase natural?” Mesmo que esses fenômenos mentais possam ser
explicados cientificamente, a explicação psicológica não
significa que devemos parar de crer. “Imagine que a ciência
produza uma explicação convincente de porque eu penso que minha
esposa me ama,” ele escreve, “eu deveria, então, parar de crer
que nisso?”
Uma
metafísica do conhecimento pode nos levar adiante na busca da
verdade religiosa. Ela pode nos dar razões para pensar que a
tendência natural para crer em Deus, manifestada entre todas as
pessoas, não existe em vão. A biologia e psicologia podem examinar
o fenômeno de baixo. Mas a teologia vê de cima, como o trabalho de
Deus, nos chamando para Ele do fundo do nosso ser. Estamos, por assim
dizer, programados para buscar vida eterna na união com Deus, a
fonte pessoal e objetivo de tudo que é verdadeiro e bom. Este desejo
natural de fixar-se nEle, apesar de poder ser suprimido por um tempo,
não pode ser erradicado.
A
ciência pode lançar uma luz brilhante nos processos da natureza e
pode aumentar vastamente o poder humano sobre o ambiente. Usada
corretamente, pode melhorar notavelmente as condições de vida aqui
na Terra. Futuras descobertas científicas sobre evolução irão,
presumivelmente, enriquecer a religião e a teologia, uma vez que
Deus se revela através do livro da natureza bem como através da
história redentora. A ciência, entretanto, realiza um desserviço
quando clama ser a única forma válida de conhecimento, descartando
a estética, a interpessoal, a filosófica e a religiosa.
A
recente explosão de ateísmo cientificista é um sinal agoureiro.
Se não for controlada, esta arrogância pode levar a um
ressurgimento da guerra absurda que atingiu o século XIX,
destruindo, deste modo, a harmonia dos diferentes níveis de
conhecimento que foram fundamentais para nossa civilização
ocidental. Em contraste, o tipo de diálogo entre a ciência
evolucionária e a teologia, proposto por João Paulo II pode superar
a alienação e levar a um autêntico progresso, tanto para ciência
quanto para religião.
O cardeal Avery Dulles, S.J., detém a cátedra Laurence J. McGinley Chair sobre Religião e Sociedade na Universidade de Fordham.
Traduzido por Alexandre Zabot
1NT:
Tradução literal, não encontrei título em português.
2NT:
Edição traduzida pela Editora Globo
3NT:
Edição traduzida pela Cia das Letras
4NT:
Tradução literal, não encontrei título em português.
5NT:
Edição traduzida pela Editora Gente
6NT:
Tradução literal, não encontrei título em português.
7NT:
Tradução literal, não encontrei título em português.
8NT:
At 14,17. Usei a tradução da Bíblia Ave Maria.
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