Escrito em 18/11/2016
Há algum tempo escrevi seis artigos sobre o papel da evolução na Ciência moderna, mostrando como as principais ideias científicas de hoje estão relacionadas ao conceito de conservação. As regras da conservação estabelecem quando e como a mudança pode acontecer, estabelecendo assim o que chamamos de evolução. Estudando as quantidades que se conservam em um sistema, e as condições em que isso é válido, fomos capazes de formular leis que descrevem o comportamento de quarks, moléculas, bactérias, ecossistemas, planetas, galáxias e do próprio universo!
No entanto, apesar do conceito de evolução estar tão bem posto na Ciência, ainda parece gerar desconforto em alguns meios cristãos. As razões para a desconfiança parecem ser múltiplas, vou citar as três mais comuns. Em primeiro lugar uma confusão entre “criação” e “evolução”. Depois, uma dogmatização imprópria do que os cristãos do passado pensavam sobre o universo. E, por fim, uma análise precipitada da onipotência divina.
Criação e Evolução são conceitos diferentes e complementares, evolui-se a partir de algo pré-existente. Assim, é perfeitamente conciliável com a doutrina cristã expressa no livro do Gênesis dizer que Deus criou todo o universo a partir do nada e que lhe deu capacidade de evoluir ao seu fim específico (entra aí o importante conceito filosófico de “finalidade”) por meio das leis da natureza que impôs à sua criação. Esse quadro em nada se opõe ao que a Ciência moderna nos revelou. Apesar da expectativa dos cientificistas, ela é incapaz de revelar a origem do universo e das suas leis. É uma incapacidade do seu próprio método empirista, não uma limitação que poderia ser superada com tempo e inteligência. Simplesmente está fora das suas próprias capacidades.
Com todo respeito e devoção que por justiça devemos aos nossos antepassados, especialmente àqueles santos doutores que deixaram sua sabedoria como tesouro para a Igreja, não é necessário que o sigamos no que pensavam em relação ao mundo natural. Se o que ensinaram sobre a fé é certo, não há porque supor que seus conhecimentos tão limitados sobre a natureza deveriam ser respeitados como infalíveis. Pretender impor a Filosofia antiga como chave de interpretação da Ciência moderna é, além de anacrônico, sinal de falta de capacidade de diálogo com o conhecimento, que também evolui.
Não obstante, alguns cristãos alegam que Deus poderia ter criado o universo há alguns milisegundos atrás e nós não seríamos capazes de provar o contrário. De fato, poderia, mas penso que seria algo muito aquém do poder de Deus. Teria mais glória um Deus capaz de criar um universo extremamente complexo, permitindo sua evolução, ou um Deus “piadista”, que nos colocou num lugar cheio de evidências de evolução e complexidades e nos deu razão para perscrutá-las, só para nos ver como tontos criando teorias?
Fazendo uma conexão com a Relatividade Especial, que uniu o espaço ao tempo, gosto de pensar na evolução como uma outra forma de ver a complexidade da criação, uma complexidade no tempo. Assim, podemos falar em complexidade de formas, de ações e de como tudo isso muda ao longo da história do universo. É possível fazer uma analogia com um quebra-cabeças. O universo tem uma finalidade, seria a imagem que se quer montar com o quebra-cabeças. Mas para montar essa imagem, precisamos seguir o desenho correto das peças e colocá-las no lugar previsto para cada uma. As leis físicas seriam esse desenho e posição de cada peça. Só um Deus onipotente seria capaz de criar um universo assim como o nosso, onde tudo se encaixa perfeitamente para montar um quadro final tão majestoso.
Imagine, no entanto, que para tornar o quebra-cabeças ainda mais desafiador, e assim exaltar mais a glória de quem o fez, que sua imagem mudasse com o tempo. Assim, como uma televisão quebra-cabeças. Seria muito mais difícil montá-lo, mas no final as imagens seriam espetaculares! A mudança com o tempo é o que eu chamo de reconhecer o tempo como parte dessa complexidade, que geralmente admiramos somente como algo estático.
No entanto, bem sabemos que para a Ciência moderna a aleatoriedade é um fator muito importante. Aleatoriedade não é acaso. Acaso é aquilo que não tem propósito, enquanto a aleatoriedade é a incapacidade de dizer quando ou como um fenômeno irá ocorrer. Essa incapacidade pode ser por falta de conhecimento nosso, como na Teoria do Caos, ou por uma indeterminação própria da natureza, como na Física Quântica ou nas mutações genéticas. Um decaimento radiativo é aleatório porque o instante em que vai acontecer não poder ser previsto, mas ele não acontece por acaso, tem uma finalidade: estabilizar o núcleo atômico.
Os fenômenos naturais aleatórios tornam nosso quebra-cabeças ainda mais fantástico! As peças mudam de formato, de imagem e de posição de encaixe sem podermos prever! Nosso objetivo é formar uma imagem composta de infinitas outras imagens a todo instante e alcançar um fim específico. Pense que além disso o livre arbítrio do homem torna tudo ainda mais difícil. Deus respeita nosso livre arbítrio nesse jogo e o usa para que toda a criação atinja seu objetivo.
Um Deus que consegue fazer tudo isso pode ser chamado verdadeiramente de onipotente. O universo existe no tempo, não há razões para excluí-lo da criação. Evolução é a criação acontecendo no tempo. Na Física chamamos isso de lei mais geral. Podemos descrever separadamente os campos Elétrico e Magnético, mas somente uma Teoria Eletromagnética (que une os dois campos) é capaz de explicar toda a variedade de fenômenos e toda a riqueza da realidade. Digo o mesmo do binômio criação-evolução. Podem ser compreendidos separadamente, mas é vendo-os como uma faceta da complexidade do universo no espaço e no tempo que somos capazes de compreender melhor toda a grandeza de Deus!
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