Recentemente o físico britânico Stephen Hawking causou furor na mídia porque afirmou que a teoria do Big Bang era capaz de explicar o surgimento do Universo sem a necessidade de recorrer à criação divina. Em primeiro lugar, não há motivo para espanto, ele sempre afirmou isso. O único aspecto que parece ter mudado em sua opinião é que antigamente ele parecia ser mais condescendente com a religião, agora ele é mais duro. Sempre que tem a oportunidade manifesta enfaticamente seu ateísmo. Mas esta é só a opinião dele, muitos outros físicos discordam totalmente. Inclusive o próprio físico que ajudou a criar a teoria do Big Bang, o padre jesuíta George Lemaître. Na verdade a grande questão que devemos nos fazer é se mesmo que Hawking esteja certo, e a teoria do Big Bang não precise de Deus para funcionar, isso significa que Deus não existe? Na minha opinião a resposta é um sonoro “Claro que não!”. E há, ainda, várias outras nuances desta história que precisamos analisar.
O termo Big Bang vem do inglês e significa, ao pé da letra, “grande bum”. Foi criado pelo astrofísico Fred Hoyle, que acreditava que o Universo fosse estacionário, ou seja, tivesse algumas propriedades imutáveis no espaço e no tempo. Para contrapor à teoria estacionária do Universo cunhou-lhe o nome de Big Bang em um programa da rádio BBC em 1949. O primeiro a vislumbrar teoricamente a expansão do universo foi o russo Alexandrer Friedman, mas ele morreu logo em seguida e seu trabalho era essencialmente matemático, não físico. Foi o trabalho desenvolvido independentemente pelo padre Lemaître que ganhou destaque. A teoria prevê que o universo surgiu da explosão de um “átomo primordial”, infinitamente pequeno, quente e denso. A maioria dos físicos acredita que antes do Big Bang não faz sentido falar na noção de tempo e nem de espaço. Depois dele, o cronômetro começou a correr e o universo a se expandir, crescendo sempre e sempre.
Lemaître teve muita audácia para divulgar seu modelo. A maior parte da comunidade científica no início do século XX não acreditava em um Universo que se expandisse. O próprio Einstein acreditava nisso e diminuiu o trabalho de Lemaître. Entretanto, em 1929, o astrofísico americano Edwin Hubble observou que as galáxias se afastando umas das outras. Exatamente como o jesuíta havia previsto, por meios teóricos, apenas dois anos antes. Esta prova era contundente e fez Einstein voltar atrás. Ele e Lemaître proferiram várias palestras juntos e numa delas, de pé depois de aplaudir, Einstein disse que aquela era “a mais bela e satisfatória explicação da criação” que ele já ouvira. Posteriormente, foram descobertas muitas outras evidências físicas que apoiaram o modelo do Big Bang. Entre as mais importantes estão a Radiação Cósmica de Fundo e a Composição Química Primordial do Universo. Vários novos detalhes foram adicionados à teoria em virtude destas descobertas. Lemaître teve sua contribuição amplamente reconhecida. Foi homenageado por muitos órgãos científicos. Em 1936 o papa Pio XI o indicou para a Pontifícia Academia de Ciências e em 1960 recebeu do papa João XXIII o título de monsenhor.
Muitos cristãos se colocam contra a teoria do Big Bang porque para eles ela contraria o livro do Gênesis. Esta compreensão é baseada na ideia de que a Bíblia deve ser interpretada literalmente. Evidente que todos sabem que os livros bíblicos têm estilos literários e que a interpretação deles deve ser feita com base nestes estilos e no contexto histórico, entre outras coisas. Mas estes cristãos argumentam que é temerário abrir mão de uma interpretação literal pois esta atitude coloca em risco todos os fatos analisados na Bíblia e a veracidade histórica do próprio cristianismo. Por uma série de fatores não concordo com esta visão e penso que para nós católicos há sempre a posição oficial do Magistério da Igreja que estabelece as interpretações corretas de cada parte do texto sagrado. No caso do Gênesis podemos abrir mão da interpretação literal desde que não esqueçamos o fundamental: Deus quis criar e criou ou Universo a partir do nada. Os detalhes da narrativa servem para ilustrar este fato de fé. Neste contexto, a teoria do Big Bang se encaixa muito bem com a visão cristã da criação. A teoria do Big Bang pode ser interpretada por um cristão como o modo pelo qual Deus agiu para criar o Universo. Ela é perfeitamente compatível com uma criação em um dado instante e a partir do nada.
Mas cuidado! Ainda que sejam compatíveis, a criação cristã não se resume à teoria do Big Bang. É errado dizer que o Big Bang é uma comprovação da narrativa bíblica. Pior ainda é pensar que a Bíblia já tinha a teoria de forma embrionária séculos antes dos cientistas. A verdade é que o conceito cristão de criação é bem amplo e aceita várias teorias para o começo do Universo. Sobre este assunto é muito interessante observar que a teoria do Big Bang não é uma teoria de criação, mas sim de evolução do Universo. Como já disse, para o cristianismo a criação se dá a partir do nada (ex nihilo). O Big Bang não explica o surgimento do Universo a partir do nada e sim a partir de um “átomo primordial” que em um determinado instante passou a expandir e gerou o Universo que conhecemos. Em outras palavras, a narrativa bíblica da criação é compatível com a narrativa científica de evolução do Universo da teoria do Big Bang. Esta questão é importante pois não é bom ficar procurando explicações científicas para as passagens bíblicas. Teorias científicas são, por natureza, mutáveis, enquanto as verdades bíblicas são eternas. Imagine o estrago que causaríamos na fé das pessoas quando fosse mostrado que uma teoria científica associada a uma passagem bíblica estava errada. É o velho problema do “Deus das lacunas” que o Marcio Antonio Campos tratou em outra coluna nesta revista.
Portanto, foi por puro desconhecimento de conceitos básicos de teologia e filosofia que Hawking afirmou no seu último livro que "Dado que existe uma lei como a da gravidade, o Universo pôde criar-se e se cria a partir do nada. (…) A criação espontânea é a razão por que há algo em lugar do nada, de por que existe o Universo e por que existimos. (…) Não é necessário invocar a Deus para acender o pavio e colocar o Universo em marcha". Fica evidente nesta afirmação que o físico britânico desconhece o sentido cristão de criação ex nihilo. Se já havia algo, a gravidade, então não houve criação realmente. Houve uma transformação, uma evolução a partir de algo pré-existente.
12/2010
A verdade é que, para a teologia especulativa (cf. o opúsculo "Acerca da eternidade do mundo", de Tomás de Aquino), o universo poderia mesmo ser eterno, e ainda assim, seria criado. Ser criado, ser criatura, não está relacionado com um princípio cronológico, mas sim com um Princípio ontológico: um universo eterno teria em Deus esse tipo de princípio, pois o seu ser, ainda que sempre existente, não repousaria em si mesmo, mas estaria fundamentado no Criador.
ResponderExcluirO Verbo e o Espírito, por exemplo, são coeternos com Deus (o Pai). "Ah, então o universo eterno seria divino (panteísmo)?". Não, porque o Verbo, por exemplo, foi eternamente gerado pelo Pai, isto é, recebeu dele, desde sempre, a mesma natureza divina, ao passo que um universo eterno seria criado desde sempre, isto é, teria sempre recebido, de Deus, uma natureza distinta.
Ótimo artigo, gostei muito.
ResponderExcluirSou aluno de Engenharia de Controle e Automação da UFRJ super fã de ciência - acredito que minha vocação é de professor universitário - e, claro, Católico. Há tempos procura por um Blog como esse, em que pudesse discutir e relacionar ciência e fé, e, desde que achei seu blog através do artigo sobre a Mecância Newtoniana e Livre Arbítrio no Aleteia, já li umas três matérias que publicou aqui. Você vem fazendo um trabalho fantástico! Sem dúvidas, você ganhou um leitor assíduo. Deus abençoe!
ResponderExcluirMuito obrigado Jean, fico muito feliz que você tenha gostado e que possa lhe ser útil. Acho que a temática de Ciência & Fé é muito apropriada para fazer apostolado no meio universitário. Você poderia reunir um grupo de amigos para discutir o tema e aproveitar para se aprofundarem na doutrina e na vida cristã. Abraço!
ExcluirOla Prof. Alexandre gostaria que o sr. comentasse o fato de que três físicos da Academia Chinesa de Ciências, Dongshan He, Dongfeng Gao e Qing-yu Cai, num artigo recém-publicado na rigorosa revista científica “Physical Review D”, disseram que o cosmos inteiro, tudo que existe, “teria nascido do nada”. Eles afirmaram: “Neste trabalho, nós apresentamos esta prova, baseados nas soluções analíticas da equação de Wheeler-DeWitt”. O título do trabalho é “Criação espontânea do Universo a partir do nada” (http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2014/04/09/universo-veio-do-nada-dizem-fisicos/).
ResponderExcluirA conclusão dos cientistas foi baseada nas soluções analíticas da equação de Wheeler-DeWitt”. O que significa isto?
Oi Benjamim. Há um desentendimento entre os Físicos e os Filósofos sobre o significado de "nada". Para os Físicos, o "nada" seria uma região sem partículas, mas contendo energia. Para os Filósofos, o "nada" é "nada" MESMO. Não pode ter nem energia. Ora, acho que nisso os Filósofos são mais sensatos que os Físicos, e prefiro ficar ao lado deles pois acho que meus colegas estão fazendo um papelão.
ExcluirMoral da história: segundo os físicos o universo não surgiu do "nada absoluto", mas de umas condições onde não havia matéria, só energia. E isso não tem nada a ver com a Criação do universo feita por Deus, que é a partir do "nada pra valer", ex nihilo, como diz a Bíblia.