Ciência e Fé juntas a serviço da verdade

Encerrei minha última coluna, na edição de maio, falando sobre a oposição de Newton ao determinismo. Nesta corrente filosófica, grosso modo, se defende que o comportamento do Universo pode ser determinado com precisão a partir de um conjunto básico de leis físicas causais. O determinismo elimina a intervenção divina na criação postulando que a Física pode explicar e prever todos os acontecimentos passados, presentes e futuros. O curioso é que a mecânica newtoniana sempre foi um dos grandes pilares do determinismo apesar do próprio Newton ser contra esta filosofia! Segundo seus biógrafos as motivações de Newton eram claramente religiosas, mas isso não significa que ele não tivesse uma argumentação baseada em leis físicas. Muito pelo contrário, de certo modo ele antecipou em alguns séculos os argumentos que hoje os físicos têm para mostrar que o determinismo está errado pois não podemos prever cada acontecimento do universo com base nas leis físicas. Sabemos hoje, através da teoria do caos e da mecânica quântica, que alguns acontecimentos são imprevisíveis, só podendo ser descritos de maneira estatística.
A posição contrária de Newton ao determinismo é muito emblemática às relações entre ciência e fé, especialmente no que tange ao catolicismo pois mostra que a ciência pode se aliar à religião para mostrar que certas visões filosóficas estão erradas. De fato, é exatamente isso que a Igreja defende, como pode ser visto, por exemplo, no fabuloso discurso do beato João Paulo II aos universitários alemães de Colônia, em 15/11/1980: “entre uma razão, que em conformidade com a própria natureza vinda de Deus é ordenada para a verdade e habilitada para o conhecimento do que é verdadeiro, e uma fé, que se funda na mesma fonte divina de toda a verdade, não pode surgir nenhum conflito fundamental”. Ou seja, não é possível haver contradição entre ciência, fé e filosofia quando todas estão orientadas à verdade porque a verdade provém de Deus e neste caso, a contradição seria um paradoxo. Longe de ser uma afirmação de nível puramente teórico, é um pensamento que traz consequências concretas e diretas aos dias de hoje, quando há tantos pontos de conflito do mundo moderno, “científico”, com a doutrina católica.
Há muitas frentes de batalha onde este conflito acontece de modo acirrado hoje e talvez uma das principais seja a questão do aborto. Quem acompanha as pessoas e as entidades que lutam contra a legalização do aborto percebe quase imediatamente que seus argumentos vão todos na linha do que dizem os estudos médicos e psicológicos. Não é difícil convencer-se do grande mal que um aborto representa quando se estuda as evidências científicas que são apresentadas. Há uma infinidade de relatos médicos constatando os males à saúde da mulher e danos psicológicos irreversíveis causados por um aborto. Entretanto, é ainda mais fácil diagnosticar todos malefícios de um aborto do ponto de vista teológico. Pergunta-se portanto porque tantas pessoas defendem tal barbárie. A resposta me parece ser simples, analisando os argumentos a favor do aborto fica patente que todos eles são influenciados por uma mentalidade utilitária da vida, egoísta, típica do mundo secularizado onde vivemos. Para defender esta mentalidade, distorcem as informações científicas de um modo escandaloso. Ao meu ver está muito claro que nesta questão tanto a ciência quanto a filosofia mostram de forma definitiva que a defesa da vida é a única opção boa, no sentido de que abarcam toda a verdade sobre a natureza humana. E, sendo assim, a Igreja mais uma vez está do lado da ciência e da razão.
Já vi muitas pessoas questionarem os métodos dos movimentos pró-vida por basearem sua defesa em argumentos médicos e científicos. Afirmam que uma defesa com argumentos religiosos seria mais “honesta”, já que geralmente estes movimentos têm origem em grupos de fiéis. Entretanto, discordo deste ponto de vista porque penso que para dialogar com o mundo atual é preciso usar a linguagem do mundo atual, uma linguagem científica na maioria dos casos. Como a ciência e a fé tem uma harmonia natural, é indiferente defender a causa por argumentos religiosos ou científicos, por ambos pontos de vista se chega a verdade. E neste caso particular, onde se procura um dialogo capaz de mostrar a verdade para os outros, o melhor caminho é usar uma linguagem universalmente conhecida.
Outra área com vários aspectos de tensão entre ciência e fé é a neurociência, especialmente no que diz respeito aos estudos sobre o comportamento humano. A neurociência estuda o cérebro e suas interações com o resto do corpo bem como as relações entre nosso comportamento e personalidade com as atividades cerebrais. O que mais gera conflito entre a neurociência e a fé é a visão positivista que alguns neurocientistas têm de sua ciência. Ou seja, o problema em si não são as descobertas mas as interpretações que são dadas a elas. No começo do ano, por exemplo, pesquisadores americanos divulgaram um estudo onde mostravam que criminosos têm amígdalas (região do cérebro responsável pelo sentimento de culpa, medo, etc) cerca de 20% menores que pessoas comuns. Enquanto fato científico não há problema, mas este tipo de pesquisa pode gerar muitos problemas éticos se não for analisada criteriosamente. Pode-se, só para citar um exemplo simplista, fazer eugenia estudando o cérebro de fetos, abordando-se os que têm potencial para dar “problemas”.
Entretanto, o tipo de pesquisa mais comum hoje em dia nesta área são as investigações que tentam mostrar, por meio da neurociência, que nossos comportamentos são totalmente determinados pelas características cerebrais e pelo ambiente. De forma mais concreta, há muitos pesquisadores empenhados em demonstrar que não somos livres para fazermos nossas escolhas, mas que estas são determinadas pelo nosso cérebro. É o caso, por exemplo, de estudos que tentam provar que não há verdadeiro altruísmo, mas que tudo é uma questão de troca e benefícios, meticulosamente avaliada por nossos cérebros com base em uma “experiência evolutiva” que nos é transmitida geneticamente. Evidente que não se nega a importância do cérebro no nosso comportamento, o que não é razoável do ponto de vista da filosofia e da teologia, é dizer que não temos liberdade para executar nossas próprias ações. Nisto a fé pode auxiliar muito a ciência, dando as interpretações corretas para as descobertas que forem feitas.

05/2011

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