Princípio Antrópico (parte II)

Na minha última coluna mostrei algumas evidências que a ciência vem descobrindo e acumulando nas últimas décadas sobre como o universo parece se encaixar perfeitamente à vida. Não digo vida humana, mas vida em geral. É incrível que apesar da vida ser tão frágil, a Terra abrigue todas as condições para o surgimento e a manutenção dos seres vivos. Como tentei mostrar na última coluna, estas condições de que dispomos aqui na Terra são realmente muito especiais no sentido de que dependem fortemente das leis físicas. Se estas fossem ligeiramente diferentes do que são, não seria possível haver vida aqui ou em qualquer outra parte do Universo. Aliás, haver vida em outro lugar do universo é algo tão provável quanto haver vida aqui, ou seja, é algo certo. Que tipo de vida, não sabemos. Mas hoje as evidências de que o universo abriga inúmeros locais bons para a vida vêm se acumulando com muita rapidez.
A constatação de que as leis físicas são como que “ajustadas” para a vida no universo é o chamado “ajuste fino” das leis da natureza. A partir dele alguns cientistas, filósofos e teólogos defendem a existência de um “Princípio Antrópico”. Como também falei na última coluna, há vários tipos de formulações para o Princípio Antrópico. Porém, duas formas são as mais comuns, são as chamadas “Forma Suave” (ou Fraca) e “Forma Forte”. Quero discutir estas formas com mais detalhes e também as críticas e defesas delas. No fundo, esta questão não passa da velha discussão sobre acaso e necessidade nas leis físicas, que já foi tratada neste espaço tanto por mim quanto pelo Marcio.
Como há muitas formulações diferentes para o Princípio Antrópico, vou usar as definições de um livro famoso sobre o assunto: “The Anthropic Cosmological Principle” de John Barrow e Frank Tipler. Eles definem as duas versões do Princípio assim:
Princípio Antrópico Suave (ou fraco) (PAS): Os valores observados de todas as quantidades físicas e cosmológicas não são equiprováveis, mas assumem valores restritos pela exigência de que existem locais onde a vida baseada em carbono pode evoluir e também pela exigência de que o Universo é antigo o bastante para que isso já tenha acontecido.
Princípio Antrópico Forte (PAF): O universo deve, obrigatoriamente, ter as propriedades necessárias para permitir o desenvolvimento da vida em algum estágio de sua história.
Há pelo menos outras duas formulações alternativas bem conhecidas, mas estas duas que apresentei são as mais famosas e também mais discutidas. Alguns críticos com tendências à ironia dizem que o PAS não passa de dizer que “o universo é como é porque é!”. A ironia não é falsa, mas como toda ironia, descarta aspectos interessantes com muito facilidade. Uma história famosa vai ajudar a explicar o que quero dizer.
Por volta de 1950 a Mecânica Quântica e a Física Nuclear estavam em alta e pela primeira vez começava-se a vislumbrar os mecanismos que geram a energia das estrelas. Sabia-se que a responsável pela energia era a fusão nuclear, mas ainda não se compreendia bem quais eram os mecanismos. Uma reação nuclear chamada de triplo-alfa era invocada como parte da explicação. Nela, três núcleos de Hélio (partículas alfa) colidem e formam um núcleo de Carbono. O problema é que esta reação teria baixa probabilidade e portanto não poderia formar todo o Carbono observado no Universo. Fred Hoyle, um dos maiores Astrofísicos que já houve (aliás, foi quem cunhou o termo “Big Bang”), raciocinou por meio do Princípio Antrópico: se há Carbono do universo, então esta reação deve ser favorecida de algum modo. Ele previu que este favorecimento se dava por meio de uma ressonância do Carbono e estimou a energia. Acertou na mosca!
Ou seja, o PAS pode ser um tanto óbvio por dizer que já que vemos vida no universo, as leis físicas devem permitir que haja a vida, porém, é possível fazer previsões a partir desta simples constatação. Afirmações simples podem encerrar verdades muito profundas! Basta ler o Evangelho para se convencer disto. Na verdade, as críticas ao PAS não passam de ironias porque no fundo ele é uma simples constatação. Embora, para seus defensores, seja uma constatação muito importante.
A grande discussão acontece em torno do Princípio Antrópico Forte (PAF). A primeira vista ele nem parece ser uma afirmação forte e ao que tudo indica, se encaixa muito bem na visão cristã do universo. Porém, ele comete dois erros graves: inverte a lógica causa-efeito e é um tipo disfarçado de Design Inteligente. Por estes dois erros, eu penso que o PAF não pode ser aceito, tanto por uma perspectiva científica quanto teológica, pois o Design Inteligente não passa de uma espécie de teoria de Deus das Lacunas que subjuga nosso Deus a um mero reparador de uma Criação barata e mal feita. O que, evidentemente, Ele não é!
Comecei o outro artigo artigo citando o paleontólogo Stephen Jay Gould, me permitam citá-lo novamente para explicar porque o PAF inverte a lógica causa-efeito. Para Gould, o PAF é como dizer que as salsichas de cachorro quente foram feitas finas e longas para se adaptarem ao pão de cachorro quente! É verdade, a crítica tem fundamento porque na realidade, é a vida que se adaptou ao universo e não o contrário. Mesmo dentro de uma perspetiva cristã, onde Deus criou o universo e desde sempre quis a vida e o ser humano, é muito limitante dizer que o universo é consequência da vida. Na minha opinião, a visão correta é que Deus, na sua imensa sabedoria e poder, criou o universo e as leis físicas capazes de gerar vida. Mas esta é consequência, e não causa. Desta forma, penso eu, elevamos Deus a posição de Criador. Dizem que Einstein defendia que a grande questão era se Deus teve ou não escolha ao criar o universo. Para os cristãos, é evidente que Deus teve escolha. Ele nos escolheu, nos quis! O PAF deixa Deus sem escolha, o que é um absurdo.
Mas inverter a lógica causa-efeito não é o maior problema do PAF e sim o fato dele ser uma forma disfarçada de Design Inteligente. Ou seja, para os defensores do PAF existem leis físicas que só podem ser explicadas por uma questão de finalidade. Dizer que uma lei da natureza é de tal forma porque assim permite que haja vida e os seres humanos é declarar uma enorme falta de capacidade de entender a natureza. Não precisamos usar Deus para explicar a forma das leis da natureza, Ele a criou cognicível. Para mim, esta é uma das melhores provas da existência de Deus.

01/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário